02 dezembro 2007

harry potter não acabou

sim a trama, sim os livros, mas não a análise sobre eles. prova disso são os simpósios internacionais programados para 2008. o Accio, que teve uma edição em 2005, volta no próximo ano com o tema From Quidditch Flyers to Dreaming Spires: Exploring the Worldwide Influence of the Harry Potter Novels. o encontro será em Oxford, de 25 a 27 de Julho. antes disso, de 10 a 13 de julho, o Portus 2008 deverá reunir profissionais de várias áreas em Dallas para interpretar as influencias da série sobre o fandom. e entre 7 e 11 de agosto a conferência Terminus, em Chicago, deve reunir cerca de mil palestrantes e artistas.

embora pouquíssimos desses textos apresentados em simpósios, conferências, palestras e mesas-redondas pelo mundo todo cheguem ao acesso via internet, os temas abordados demonstram como há inúmeros estudiosos que levam HP muito a sério. a relação do fã com a obra sob os auspícios da comunicação virtual imediata, o despertar dos jovens para a leitura e a escritura, a atenção voltada à criança que sofre abuso ou abandono por parte de familiares, o crescente interesse por mitologias e a redescoberta do latim como linguagem assinalam a grande abrangência da obra e os diversificados caminhos que ela aponta.

percebe-se facilmente, bastando um mínimo de atenção ao mundo que nos rodeia, entender porque a criança e o jovem abraçaram hp como uma obra de referência. a pergunta que fica, no entanto, é porque o adulto também foi fisgado pela longa e envolvente trama. há nos fundamentos de hp a idéia de que um outro mundo existe paralela e simultaneamente ao nosso que difere consideravelmente deste. nele a magia é a norma, o meio pelo qual se estrutura toda uma sociedade invisível para as pessoas não-mágicas. mas o quão diferente esse mundo é?

no mundo bruxo há todos os elementos de uma sociedade organizada, com um ministro da magia administrando essa organização e departamentos encarregados de, no mais das vezes, evitar que o mundo normal tome conhecimento de sua existência. nesse sentido, é uma sociedade conservadora, que busca manter o segredo e o status quo, e não-democrática, já que o ministro da magia é escolhido dentro do ministério e não por meio de voto direto. não há menção de voto em nenhuma das fases do processo, fazendo-nos crer que o ministério é constituido basicamente por indicações de seus membros. não é difícil entender então porque ambiciosos como Voldemort podem estender seu domínio com relativa facilidade já que interesses pessoais perpassam toda a estrutura governamental. a própria premência do segredo obriga essa comunidade a mover-se com extremo cuidado de forma a não se fazer visível. quem tem essa preocupação, como toda sociedade secreta, já carrega um fardo às costas. na ausência de uma relação mais direta e aberta da população bruxa com seus dirigentes, a comunicação entre eles acaba restringindo-se quase exclusivamente aquela que se dá por meio da mídia, ambas questionáveis quanto a sua veracidade e acuidade. tanto o daily prophet quanto o quibbler carecem de legitimidade, onde um é manipulado pelo ministério e outro pela opinião pública mais disparatada; ambos tablóides na pior das acepções.

no entanto, a vivência democrática se dará exatamente no momento em o lorde das trevas surge mais poderoso e cruel que nunca, cortando os frágeis laços entre povo e governo e promovendo involuntariamente uma aproximação de povo e povo, através das resistências construídas para enfrentar as forças opressoras. o programa de rádio, a ordem da fênix, os bruxos comuns envolvem-se de maneira a se auxilarem mutuamente.

seria diferente caso o mundo bruxo fosse regido pelo sistema democrático? estaria seu ministro e ministério mais próximos dos anseios da população e buscando protegê-la efetivamente? teria assumido o compromisso com a explanação da verdade sobre o ressurgimento do dark lord desde o princípio? ou teria se comportado da mesma forma que outros governos democráticos trouxas, buscando esconder a verdade, evitar turbulência e negar ao povo meios de resguardar-se do mal?

é reconhecido que o sistema de administração bruxo é francamente incompetente e essa falta de qualidade surge em vários momentos da obra. desde o emprego de dementadores, seres das trevas, como guardas de azkaban até o encarceramento de bruxos suspeitos de crime sem um julgamento adequado, caso de sirius black. isso certamente intriga o leitor adulto que reconhece nele uma paródia de seus próprios governos, sedentos de poder e privilégios de várias ordens, onde o bem-estar da população é negligenciado com facilidade.

28 novembro 2007

expert reviews

quatro anos atrás descobri harry potter. passei anos tentando entender porque, adulta e culta, gostava tanto da série, apontada na mídia como infanto-juvenil. passei a participar de fóruns de discussão para adultos, de comunidades no orkut e a acompanhar encontros internacionais de especialistas de diversas áreas que se dispunham a analisar a obra sob a ótica do seu metiér. escritores, publicitários, filósofos, educadores, todos têm algo a dizer sobre harry potter e a revolução que provocou na maneira como o jovem passou a se relacionar com a leitura a partir da publicação da obra. não só os jovens. existe um contingente imenso de adultos fãs incondicionais da trama, que chegou ao final com a publicação de deathly hallows.

apesar de muitos críticos insistirem na baixa capacidade intelectual de quem é fã de harry potter, acredito firmemente no contrário. obviamente há quem se deixe levar pela moda mas há, de forma consistente, os muitos que descobriram um jeito novo de se relacionar com a literatura, envolvendo-se intensamente, analisando, buscando pistas e comparando com outras obras que leu anteriormente ou por causa da série. esse processo, de envolvimento, escrutínio, pesquisa, comparação é a base do raciocínio e da evolução do pensamento. é dessa forma que se dá o conhecimento.

a série harry potter trouxe para a vida de milhões de crianças, adolescentes e adultos o encantamento perdido. trouxe de volta o gosto pela história boa, a ansiedade quanto ao próximo capítulo, o prazer em descobrir um vínculo entre os enigmas nos livros, e permite, a cada leitura, uma revisão de valores humanos, culturais e éticos. o olhar atento e atencioso sobre os infinitos elementos da trama e a miríade de possibilidades de significados é o que se propõe este blog.